domingo, 28 de agosto de 2011

Tango, um dos ritmos que sempre me atrairam. Um dia, numa tarde, ouvindo Piazzolla saiu este poema.


UM BANDONEON DENTRO DA NOITE

Em cada puxada do fole,
um grito de dor e de saudade.
O ritmo sincopado do tango
atravessa a espessa noite
e, como lâmina forte,
fustiga no peito apaixonado.

Carlos Gardel, Piazzolla...

A melodia conta amores perdidos,
corações dilacerados,
juras de amor não correspondidas,
lágrimas derramadas,
batom carmesim...

O bandoneon agita-se.
Os corpos suados entrelaçam-se
numa paixão doída,machucada.
Os corpos colam-se
na volúpia da música.
As bocas se procuram
ávidas, gananciosas...

O bandoneon marca o fim do ato,
no cansaço,
no suor,
no esgotamento...
no prazer.

Maura Soares, aos 26 de dezembro de 1999, 17.15h (ouvindo Piazzolla)
[In:Retalhos-contos, crônicas,poesias. Obra artesanal, 2001]

FOTOS PARA COMPARTILHAR

Pediram-me fotos, pois saio com o celular e ao me extasiar com a paisagem ou me indignar com o descaso na orla do continente, digo a todos os amigos que registro. Aí vai uma amostra.
Esta mostra o descaso com a natureza. Barco quebrado e sujeira na orla de São José.


Esta também da orla de São José mostra o Cambirela encoberto, prenúncio de mais chuvas.
Foto de julho 2011


Praia do Meio.Esta já utilizei como capa da Revista Ventos do Sul.


Igreja da Armação. Junho 2011
Gosto de fotografar igrejas, embora não as frequente.


Arcos do Bom Abrigo. Final do deck. 2011

Pântano do Sul. Foto batida da praia,vendo-se à esquerda o Bar do Arante.
Junho 2011.


Esta é para mostrar o abandono do poder público para com o patrimônio imaterial--Poesias do Projeto "Poesia na Praça", do Grupo de Poetas Livres que se encontravam na Praia do Bom Abrigo, para que não tivessem o trabalho de restaurar, simplesmente apagarem.
Quem for ao Bom Abrigo não mais encontrarão os poemas dos poetas mortos e vivos. 
A solução foi pintar de azul e ou azul e branco, para meu desespero, pois todos sabem que sou Figueirense desde criança.
Não adiantou colocar na imprensa, falar com autoridades.E, mesmo assim, pintados,estão em estado lastimável.
Quem for à orla do Bom Abrigo, Itaguaçu e Palmeiras poderão verificar. 
Então como já disse:"Ser poeta é ter a capacidade de extasiar-se ante uma bela paisagem e condoer-se com o sofrimento alheio".
Neste caso o sofrimento foi meu e ainda é,quando vejo os bancos das praias Palmeiras e Itaguaçu completamente estragados e as poesias, dilaceradas, sangrando, como sangra o coração do poeta ante o descaso, o desprezo.
----É isto, uma pequena amostra para os amigos que acessarem o blog  sentirem a beleza e o descaso.----
Postado por Maura Soares, fotos de sua autoria para, se quiserem, comentarem.
28 de agosto de 2011, 11.30h 





segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Com o tema "entra sem bater" fiz uns poemas. Estampo a 5a.versão.


ENTRA SEM BATER  V

Entra sempre sem bater, amor,
minha casa te pertence
meu coração de há muito já é teu.
Traz os teus haveres
depois arrumaremos.
Te sacia da jornada nos meus braços
alivia teus tremores, teus cansaços
e passa a noite se quiseres.
Se desejares abrirei um vinho
brindaremos ao amor,
este sentimento fulgente
que bate em todos os corações.
Faz do meu corpo tua morada,
dança comigo aquela nossa balada.
Recosta tua cabeça no meu colo
e eu beijarei teus olhos,
tua boca.
Beberei a gota de vinho
do canto de tua boca
e juntos nos deliciaremos no amor.
Maura Soares
Aos 16 de abril de 2010 – 16.30h





domingo, 21 de agosto de 2011

Uma reflexão sobre todos os Mestres, na visão do amado amigo Marcos Bayer.

Noite estrelada sobre o Rhone - Van Gogh
AOS MESTRES,TODOS....
Marcos Bayer

Um homem que recebe o sopro do espírito divino para cuidar das letras, para transmitir conhecimento, para despertar vocações e guiar outros homens é um ser privilegiado. Por mais dura que seja a vida, por menos reconhecida que seja a atividade do magistério, e é, ao professor é imputado o poder da expansão civilizatória. É ele que ensina a ler, escrever, refletir, propor, ousar e criar.
Pode ser na universidade, pode ser na aldeia indígena, na Roma antiga, na Academia de Platão ou no Liceu de Aristóteles.
Pode ser em Sagres, onde estudaram os marinheiros que descobriram e circunavegaram o planeta, confirmando nossa globalidade nos 1500, depois visto do espaço por astronautas que estudaram na escola soviética, como Gagarin, em 1961, quando percebeu em nome da Humanidade que a Terra era azul, e os da NASA que chegaram a Lua em 1969.
Foi assim no Renascimento brotado numa Florença medieval que reunia talentos capazes de redimensionar a obra do homem. Leonardo Da Vinci retomava a forma de Marco Vitrúvio, arquiteto romano contemporâneo dos césares, para relembrar a escala humana dentro de um círculo onde cabia o corpo e a expansão dele. Salvador Dalí soube liquefazer a imagem, Chaplin e Buñel deram-lhe movimento. O movimento humano real foi transposto para uma tela. Nós nos víamos noutra dimensão.  Pablo Picasso pintou em dois tons predominantes, azul e rosa, antes de desconfigurar para reconfigurar a forma. Miró brincou conosco compreendendo que somos pequenas peças coloridas no Universo móbile. Van Gogh colocou sobre a tela branca a textura da massa em relevo para depois pintar a noite mais estrelada de todos os tempos. Victor Hugo descreveu como ninguém a miséria e a grandeza do caráter humano. Nureyev e Baryshnikov voaram sobre os tablados como tantos atletas o fizeram nas pistas olímpicas. Vozes tantas, de Frank Sinatra a Dionne Warwick, de Pavarotti a Ella Fritzgerald. Compositores que liam a aventura humana através das notas musicais, como Mozart, Wagner ou Jobim.
Nós vivemos mais uma etapa desta irrevogável expansão civilizatória representada pela cibernética, pela comunicação instantânea e pela consequência imediata do ato humano.
Nunca fomos tão fortes e tão frágeis, simultaneamente. Nunca a experiência humana foi tão interdependente. Nunca foi tão necessário homens de letras, professores e formuladores, escritores e poetas, cineastas e atores. Músicos e tocadores. A sinfonia da vida será sempre necessária...




sábado, 20 de agosto de 2011

Vá lá entender as mulheres!

CONVERSANDO COM DEUS

Um dia o homem disse:
- Senhor, finalmente conheci e compreendi o que há no âmago das mulheres. Finalmente, Senhor, eu entendi!
O Senhor, então, lhe respondeu:
- Sobe, então, meu filho, pois Eu criei a mulher e ainda não consegui compreendê-la.
O homem assustou-se diante disso.
Deus: - pois venha para cá.
O homem subiu e foi falar com Deus.
Fale-me agora, disse o Todo Poderoso.
- Pois bem, Senhor, as mulheres choram quando querem sorrir; quando nos tem ao lado, dizem “não” querendo dizer “sim”; mandam-nos embora, mas nos querem por perto; quando estão com uma coisa chamada TPM, que eu suei pra entender o que era, nós temos que nos desdobrar para não contrariá-las, mas quando isso passa, Senhor, como elas são adoráveis!
- E seus olhos, Senhor, são cheios de doçura. Elas nos amam demais, Senhor, mas também nos ferem. E quando saímos pra fora em busca de outras, elas choram e pedem para voltarmos... e voltamos, Senhor, e elas abrem os braços para nós.
- Há aquelas que amam os nossos filhos, mas há aquelas que os abandonam. Essas, desculpe, Senhor, eu não consegui compreender, pois fizeste a mulher para guardar a nossa semente e transformá-la em outro ser vivente para continuar a espécie e deste a missão para que elas amassem incondicionalmente estes seres.
- Há aquelas que movem montanhas, que batem panelas nas ruas para defender o dinheiro dos maridos que as alimentam e alimentam seus filhos.  Elas vão às últimas conseqüências para defender nossos filhos e também nos defendem e até algumas puxam cadeia no lugar de seus amados.
- Já nós não somos tão bons assim, Senhor, porque damos muitas vezes valor maior para os prazeres da carne e nos omitimos no carinho para com elas. E, mesmo assim, elas nos amam, Senhor.
-Ah, e a poesia, Senhor, como elas se expressam quando amam. Seus corações transbordam, elas não medem palavras para nos enaltecer; fazem leilão de seus corações e nos entregam com amor.
-É nos seus braços que adormecemos; é nos seus braços que lamentamos as nossas desditas; é com elas que se quisermos viver bem temos que nos desdobrar.
-Ao lhes entregarmos uma flor, os seus corações se alegram e com elas temos tudo que queremos no momento.
- E quando Tu nos chamas para ficar contigo, elas ficam desoladas e não procuram ninguém para nos substituir; mas nós, não, logo arranjamos outra, pois não podemos ficar sem elas. É que o amor delas é muito maior que o nosso. Nisso sempre concordei, Senhor, na relação a dois, o amor delas é maior.
- Enfim, Senhor, as mulheres para nós são tudo e, sem elas, somos nada.
E Deus, sorrindo, chorou!
Maura Soares, aos 19 de agosto de 2011, 07.15h        

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Hoje, faço homenagem ao meu irmão dr.Paulo Soares, apaixonado pelo Figueirense a ponto de compor a melodia Paixão Alvinegra. Paulo atuou na área do futebol de salão, em Itajaí, onde reside.Quem quiser saber a música,pois a letra está aí,entre em contato comigo.

Licinho Campos, o poeta do Grupo de Poetas Livres, jogou no Juvenil do Figueira, década de 70.
Ele é o primeiro à direita, em pé.


Fernandes
Minha homenagem ao gentleman do Figueira.



PAIXÃO ALVINEGRA
Letra e música de PAULO SOARES

Figueira, meu coração
Figueira, minha paixão
Tu és o mais querido
Mais adorado desta Nação

Desta Nação, a Alvinegra
Todos ligados nesta emoção
Os ventos sopram de esperança
Mas não tão fortes que o Furacão

Figueira, meu coração
Figueira, minha paixão
Tu és o mais querido
Mais adorado desta Nação

Desta Nação, a Alvinegra
Todos ligados nesta emoção
Os ventos sopram de esperança
Mas não tão fortes que o Furacão




sábado, 13 de agosto de 2011

Em uma Sessão Espírita,em casa de primos,em 2001,recebi esta mensagem de Hussein.


COMO GANDHI

Vai, caminhante.
Leva contigo a tua cuia para pedir arroz.
Sobre teu corpo apenas o manto.
Teus pés estão nus.
Não sentes frio, pois há, em ti, calor.
A terra, úmida e fria faz com que caminhes
mais depressa.
A noite está para chegar.
Necessitas de um abrigo
para o teu merecido sono.
Adiante, uma estalagem.
Lá encontrarás quem te dê arroz e leite quente.
Bate e verás a porta abrir-se para ti.
Peregrino, tu és nestas paragens.
Levas contigo o poder do Universo
embora tua aparência seja a de um mendigo.
Teus olhos, como Gandhi,
transmitem a paz e a harmonia do teu ser.
Vai, estão à tua espera para ofertar-te
o alimento para o teu corpo.
Em troca, irás falar-lhes sobre o poder divino,
sobre a fé, sobre a luz,
e derramarás sobre todos,
as tuas bênçãos.

HUSSEIN
[Mensagem recebida por Maura Soares, em Sessão de 4 de junho de 2001]   

Não houve amor maior do que aquele de Cyrano de Bergerac por Roxane. Inspirada em frase do filme, saiu este poema, feito em 2000.


CORAÇÃO PARTIDO

“Toma meu coração; dele não mais preciso”.
(Cyrano de Bergerac à sua amada Roxane)


Partido está meu coração,
ó impossível amor!
Aqui me tens,
esparramado a teus pés.
Bebes palavras doces de minha poesia
sem saber que dela sou o autor.
Em teu balcão declamo
palavras que brotam do
fundo de minh´alma.
Meu coração dispara;
perco a calma
toda vez que tua face contemplo.
Coração sofrido, partido...
transborda carícias
sem que eu toque tua pele.
Toma meu coração;
conserta-o só com o brilho do teu olhar.

Da vida, não quero mais nada!

Maura Soares
Aos 22 de junho de 2000, 18.25h

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Poema de Emanuel Medeiros Vieira, para os nativos da Ilha de Santa Catarina e para aqueles que nunca a conheceram. Ficarão, claro, na saudade, pois Ilha mais bonita, não verei jamais.Como diz o poeta:destruiram o que havia de mais belo, a sua alma.

Morro das Pedras- Sul da Ilha de Santa Catarina
Num dia de Junho. Foto: Maura

RÉQUIEM PARA UMA ILHA
(Para aqueles que a conheceram – no fundo)


Já é tarde para consertar.
Não, não serei nostálgico.
Não falarei de quintais, de árvores.
Já é tarde para consertar – repito.
O modelo urbano foi esse: poeira, pó e ganância.
A cobiça dos teus alcaides, dos teus “construtores”,
dos teus políticos, sempre foi mais forte.
Teus homens públicos não te mereceram.
É claro: nunca te amaram
E muitos resolveram silenciar: é um réquiem o que queria escrever.
Mas um réquiem deve ter nobreza trágica.
Minhas palavras não: são pálidas, conscientes de sua inutilidade.
O tempo já não cabe dentro de mim.
Uma ilha habita o meu coração, mas não existe mais.
Já é tarde para consertar – caio na redundância.
(Qualquer palavra será inútil.)
Um dia, talvez, ela seja lembrada.
Minha ilha é nevoeiro.
(Com suas gaivotas, com seus meninos, com seus trapiches,
com suas casas, com seus terrenos, com os seus verdes,
com os seus pássaros, com suas praias
 – sem turistas deslumbrados.)
E nos teus morros, a gente poderia subir a qualquer hora do dia.
E morro (morremos): de doenças crônicas, de omissão,
de complacência com a corrupção, de vaidades vãs.
Quem se lembrará dessa gente tão pequena que se apossou de ti,
 ilha natal?
É como se visse uma iluminada fogueira num junho qualquer
– que nunca se apaga.
(Missa do Galo, tainha frita, o orvalho daquela manhã,
e aquela praia chamada Lagoinha – no extremo Norte de ti –,
ainda silenciosa e sem abutres.)
Ela, a Ilha (perpétua, imanente) continuará: para sempre:
Em um ser que ainda está sendo gestado
 – contemplando um álbum de fotografias num domingo à tarde.
Pai:  Dissipa essa cerração!
Eu sei: “Todo ser humano tem dentro de si um vazio do tamanho de Deus.”
(Fiódor Dostoievski)
de EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

(Salvador, agosto de 2011)

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Oração que veio em um momento sublime para mim.Texto trazido dos meus alfarrábios.

Imagem de Cristo numa Capela anexa a Catedral do Santuário de Madre Paulina
Vigolo- Nova Trento, SC
Foto: Leuzi Soares,em 06 de agosto de 2011

ORAÇÃO DA HORA QUIETA

Nesta hora, Senhor, em que tudo se aquieta,
venho reverenciar-te e agradecer cada minuto dos meus dias,
cada sorriso e até cada lágrima.
Agradeço, Senhor,  a esperança que deixas em meu coração
no aguardo de dias melhores.
Senhor, sabes que o Amor que recebo de Ti
devo espalhar entre meus irmãos.
E assim o tento, Senhor, derramar gotas de afeto
em todos os que me cercam.
Perdão, Senhor, se não consigo.
És o juiz que a toda hora põe à prova a minha fé.
Tu, soberanamente justo, perdoas as minhas iniqüidades
e sempre me lembras que preciso melhorar
se quero estar em graça perto de Ti.
Agradeço, Senhor, o dom que me dás em ter capacidade
de expressar meus sentimentos através da poesia
e poder compartilhar com todos os poetas meus amigos,
antigos e novos espalhados onde a minha poesia alcança.
Obrigada, Senhor, pela energia que me dás,
pela força, pela tenacidade em cumprir todas as tarefas
que a mim são destinadas.
Obrigada, Senhor, por não me abandonares
quando te Ti preciso.
Por me dares alento,
por tranquilizares meu coração.

Obrigada, Senhor, por deixares que eu faça parte das Tuas bênçãos.

MAURA SOARES
(num dia qualquer de 2003—também publicada na Revista Ventos do Sul)   

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Uma crônica da rua onde nasci,na Ilha de Santa Catarina. Apaixonada por minha terra,vejo-a sendo lapidada,destroçada,abandonada. O texto já foi publicado na Revista Ágora e no Boletim da Comissão Catarinense de Folclore

(da internet) fico devendo a foto da rua que possuo nos meus alfarrábios
NA RUA DA PEDREIRA(*)

            Na Rua da Pedreira, onde nasci, carros não passavam, então, a brincadeira era livre. Casas geminadas, à moda açoriana. Muitas vezes, quando as vozes vizinhas se alteravam, poder-se-ia ouvi-las através das paredes de estuque e tijolos.
            Residiam, além dos Soares – minha família -, os Silva Furtado, os Bastos, os Vieira, os Sobierajski dos Santos, os Zilli, os Ligocki, e outras três famílias que, neste momento, não recordo os sobrenomes.
            Pela rua passavam os romeiros da Procissão dos Passos, encurtando o caminho, pois a procissão seguia da Irmandade/Hospital de Caridade pela Rua Tiradentes e, como esta era e ainda é estreita, os fiéis  cortavam caminho pela Victor Meirelles – esquina da Rua da Pedreira - , em direção à Catedral Metropolitana, onde aconteceria o ato litúrgico.
            Muitas vezes ficava eu à porta de casa apreciando aquela procissão paralela a subir nas pedras da rua.
            Como era imprópria para carros, todos que por ali passavam o faziam a pé, dando assim oportunidade de se cumprimentarem e falarem uns com os outros nem que fosse sobre o tempo. Os eventuais carros que se atreviam a passar, só chegavam até minha casa. Tinham que fazer o retorno em direção à Avenida Hercílio Luz. O único que se atreveu a descer as pedras motorizado foi o Juancito Ganzo. Mas isto já é outra história.
            Por ali também passavam os vendedores ambulantes, tanto os que vendiam legumes e verduras – com cestos suspensos em varas aos ombros – quanto os que vendiam broas, biscoitos, bom-bocados (doce com côco), puxa-puxa(caramelo queimado com açúcar) e canja-americana(uma espécie de bala de cor amarela – uma delícia!)
            A Rua da Pedreira era uma gostosura para a gurizada. Meninas e rapazes, sem nenhum preconceito, brincavam de correr, de pega-pega, subir em árvores da avenida, pegar piava no canal da Hercílio Luz, mocinho e bandido, cinco-marias, bola de vidro, arremesso de tampa de garrafa, taco (uma variação do beisebol) e, naturalmente, futebol, numa cordialidade que, às vezes, acabava em sopapos, mas, em seguida, a paz renascia.
            Perto, na Rua Tiradentes, ficava a Padaria Moritz e, nos fundos dela, a Fábrica de Balas Rocôco. Lembro-me do incêndio na fábrica, não sei precisar a data. Os vizinhos e nós ajudamos a guardar as latas com as balas salvas do incêndio, impedindo com isso o saque. Não me recordo de termos sido recompensados pelos Moritz desse gesto de solidariedade. Uma prima de minha mãe, a “Bêga”, trabalhava na seção de embalagens e, essa sim, sempre trazia balas para nós.
            Balas Rocôco! Como eram gostosas, com côco e cobertas de chocolate! Além das balas Rocôco, também saboreávamos umas balas azedinhas em forma de lua, sabor laranja. Só em pensar dá água na boca!
            O trecho da Rua da Pedreira, onde nasci, só tinha um lado com casas. O outro lado era tomado pela construção do 5º Distrito Naval. Hoje abriga uma repartição federal. A rua ainda é interrompida pelo canal da Avenida Hercílio Luz e continua até a Avenida Mauro Ramos, com casas ou edifícios em ambos os lados.
            Minha casa era a segunda da rua. Porta e janela fronteiras. Um corredor não muito estreito ligava a sala de entrada aos outros cômodos. A sala principal foi dividida e ali meus pais dormiam quando a família começou a aumentar. No quarto seguinte as meninas, três a princípio, e no outro, o dos rapazes, cinco à época em que me recordo para início desta narrativa – ano de 1954. O quarto das meninas, com camas individuais e o dos meninos, com beliche, para melhor acomodação.
            A sala de jantar. Ah, a sala de jantar! Era o lugar dos encontros, local onde se discutia política, arte, os últimos acontecimentos familiares e sociais, a recepção aos parentes. Uma cadeira de balanço ao lado do rádio marca ABC. À mesa todos se sentavam em um banco comprido, de um lado, em cadeiras, de outro, a fim de caber toda a família. O almoço era partilhado, a comida dividida irmanamente. Operário da Força e Luz (depois Elffa, depois Celesc), somente meu pai sustentava a família. O orçamento doméstico era complementado com as costuras que minha mãe fazia para fora.
            Uma cristaleira em um canto com um vidro de cristal jateado e ornado de flores, em que a louça comum ficava ao lado dos poucos cristais e porcelanas. Naquela época podia-se comprar! A água para beber era colocada em um filtro de louça. O fogão, a lenha, depois substituído por um a gás. Lembro-me da carne assada de panela que minha mãe preparava no fogão a lenha.
            Revejo meu pai acomodado na cadeira de balanço a ouvir o noticiário das 22 horas da Rádio Tupi, do Rio de Janeiro. Uma voz vibrante encerrava o programa com texto de Rui Barbosa: “A Pátria não é ninguém; são todos e cada qual tem no seio dela o mesmo direito à idéia...”
            Lembro-me quando, com 11 anos de idade, já deitada para dormir, pois tinha que acordar cedo para ir à escola – já estava na 1ª. série do ginasial -, escutei, naquela noite de agosto de 1954, o noticiário sobre o suicídio de Getúlio Vargas, “o presidente dos trabalhadores”, como muitos diziam. A notícia chocou meu pai e todos fomos solidários com ele. Pouco entendia, à época, o acontecido. Revejo agora na minha lembrança e analiso este que foi um fato marcante para a política brasileira, até hoje sendo lembrado e estudado.
            Nossa casa era o lugar de acolhida dos parentes que vinham do interior para se tratarem com os médicos da Capital. Era um fato: se algum parente viesse à Florianópolis, mesmo que a passeio, e não fosse em minha casa, é como se não tivesse visitado a cidade.
            No verão, a vizinhança se reunia nas calçadas. Colocavam cadeiras e ali ficavam a conversar. O Terno-de-Reis e a brincadeira do Boi-de-Mamão eram apreciados. A comemoração do Carnaval, para nós, era fácil. Assistíamos ao desfile das escolas e blocos (Protegidos, Copa Lord, Bloco da Escola de Aprendizes de Marinheiros, Bororós) e dos carros alegóricos e de mutação dos Tenentes do Diabo e Granadeiros da Ilha, sem ficarmos horas esperando.
            Munidos de cadeiras para melhor apreciar, quando ouvíamos o batuque da primeira escola que faria o percurso ao redor da Praça XV de Novembro, dirigíamo-nos à festa. Esse período do Carnaval, dos anos 50 a 60, foi, a meu ver, o melhor que eu pude assistir. Hoje em dia assisto 5 a 10 minutos pela televisão, e já acho muito.
            Em 1956 e 1958 nasceram os meus irmãos caçulas. A família ficou assim: pai, mãe, quatro mulheres e seis homens. Minha mãe ainda engravidaria de um outro menino, porém, ao atender uma menina vizinha que havia contraído varicela, pegou o vírus e o bebê nasceu morto.
            Superadas as dificuldades que toda família de classe remediada enfrenta, todos nós estudamos e nos formamos em faculdade, menos um que fez somente o segundo grau. Porém este custeou o estudo do filho mais velho, que já é odontólogo e exerce a profissão em Tijucas. O filho do meio graduar-se-á em Comércio Exterior.
            Por termos sido criados e morarmos na Rua da Pedreira – até 1969 – quando, então, em dezembro desse ano, nos mudamos para o Bairro Abraão, não sofremos o estresse de rua movimentada e pudemos usufruir livremente do espaço para as brincadeiras, pernas raladas nas pedras e areão. Pudemos sentir a cordialidade dos vizinhos, as conversas, o auxílio quando em época de doença ou precisão material, ou seja, a camaradagem de todos.
            Enfim, vivi numa época boa de Florianópolis, em que um vizinho era valorizado não pelo que possuía em bens materiais, mas pelo carinho e apoio que sempre entregava aos semelhantes.
            Viver na Rua da Pedreira foi marcante.
            Pena que o progresso acaba com estes valores.
Maura Soares
Membro emérito do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e Presidente do Grupo de Poetas Livres (gestão 2000/2002)
Florianópolis, 23 de maio de 2000              
(*) Rua da Pedreira como era chamada a Rua General Bittencourt. A autora nasceu no número 24, no ano de 1943 e ali viveu até o ano de 1969.

(**)Publicado na Revista Ágora, da Associação de Amigos do Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, Ano XV, n. 31, 1º. Semestre de 2000,  pág.7.