LAVANDO ROUPAS
Esta história começa quando, ao caminhar, como faço todos
os dias pela manhã, paro para conversar e muitas vezes digo à pessoa com quem
estava a conversar “não posso conversar muito tempo, pois estou lavando roupa”.
A frase retornou-me à memória quando, ao contar flashes
de sua vida pessoal que foi tema de um livro, um amigo disse que uma de suas
tias havia sido lavadeira no Hospital de Caridade.
Acordo de madrugada – coisa infalível nos últimos anos –
para ir ao banheiro e me veio esta expressão “lavando roupas”.
Como – lavando roupas? Quem está lavando roupas, eu ou a
máquina?
E o pensamento viajou para a vida das mulheres pioneiras
– imagens vieram nesta madrugada como num filme como se eu fosse uma dessas
mulheres ajoelhadas à beira dos rios com sabão feito artesanalmente, a bater
nas pedras as roupas pesadas – saias principalmente – e depois colocando-as a
quarar na grama ou as pendurando em varais rusticamente feitos pelos homens.
Que tarefa árdua! Todo o encargo das coisas da casa ou dos
carroções enquanto a casa ainda não havia sido construída com troncos de
árvores, chão batido de terra...
A pioneira dizia “não posso conversar, vou lavar roupa”
ou juntava-se a outras na tarefa? Provavelmente que estou a me lembrar dos
inúmeros filmes americanos que retrataram a vida no velho oeste quando
pioneiros ingleses ou irlandeses disputaram em corridas de cavalos, ao fincar as
bandeiras de suas famílias, as terras usurpadas dos índios, a expressão torna
estranha minha tarefa hoje em dia: “estou lavando roupas”.
Quem lava? A máquina, naturalmente, cada vez mais
sofisticado seu manejo, só faltando inventarem uma que nem vai precisar que se
coloque sabão – que não é mais em barra, aquele feito com cinzas e sebo – mas
em pó com diversos aromas, deixando a roupa macia e cheirosa, como apregoam
seus fabricantes.
As roupas ficavam perfumadas como ficam hoje em dia? Creio
que não, mas com certeza, com a força dos braços das mulheres ajoelhadas a
esfregá-las, ficavam limpas para bem usá-las até a próxima parada da viagem
pioneira, pois eram usadas durante uma semana ou mais enquanto durava a viagem
para se estabelecer.
“Minha tia lavava roupa no hospital”.
Fiquei com isto na minha memória. Como deve ter sido a
vida desta tia lavando pesados lençóis, colchas, fronhas e roupas dos pacientes
das enfermarias?
Tinham que ser bem lavadas por causa do risco das
infecções. Usavam sabões especiais?
As roupas eram colocadas em tanques todas juntas? Como seria?
Fruto da imaginação, pois nunca visitei a lavanderia de
hospital algum, fico elucubrando como seria no início dos tempos quando o
Hospital de Caridade ou como chamamos novamente, Imperial Hospital de Caridade,
tratava aquelas mulheres que tinham a árdua tarefa de lavar as roupas dos
pacientes – sobretudo lençóis fétidos com urina e excrementos?
Que vida elas levavam ao saírem dali? Enfrentavam um
longo caminho às vezes à pé até suas casas e lá também as esperava um tanque
cheio de roupas?
Com que direito tenho eu em dizer aos amigos casuais que
encontro pelo caminho “estou lavando roupas”?
Preciso rever esta expressão, pois meu trabalho hoje em
dia está aquém do que aquelas valorosas mulheres pioneiras fizeram.
Nem de longe pensar em me ajoelhar à beira de rios, pois
os mesmos hoje em dia estão cada vez mais poluídos, cada vez menos, até,
navegáveis.
Penso nisto nesta madrugada, após a conversa com meu
amigo ao contar apenas um flash de sua também sofrida vida.
Maura Soares, aos 25 de abril de 2012, 05.30h
(Tela de Sandro José, "Lavadeiras". Pintor pernambucano)