domingo, 31 de julho de 2011

Inspiração num domingo frio, com garoa.

        
NA ESQUINA, NO TERCEIRO ANDAR

            Vivia só, na esquina, no 3º. Andar.
            Quieta, só com seus sonhos, suas angústias,seus demônios,ela se quedava.
            Saía nas caminhadas matinais, procurando lugares onde árvores, areias e águas estivessem para poder ter algo belo a contemplar.
            Poucas pessoas do bairro lhe falavam, pois não queria mais as gentes metidas em sua vida.
            Havia um passado a expurgar e ela só queria se desfazer dele.
            O dia em que isso viesse a acontecer talvez ela voltasse a sorrir como no passado em que a casa da família era só alegria, música e encantamento.
            Nesse dia em que na janela da esquina do 3º.andar contemplava a chuva sem poder sair, rememorou o momento da tragédia que havia desencadeado a sua infinita tristeza.
            A festa rolava desde a manhã na casa da família. Casa que havia sido construída pelo patriarca em meio a um bosque, onde um rio de águas cristalinas passava encantando com o som de suas águas e alimentando as festas com seus peixes.
            Em meio às arvores e debaixo delas ela gostava de sentar e sobre as folhas de outono caídas, deitava-se às vezes com um livro para ler ou apenas ficar esquecida contemplando as copas das árvores e divagando com o som do rio.
            Pois fora ali mesmo debaixo daquelas árvores à beira do rio que entregara-se pela primeira vez ao amor.
            Naquele dia em que o vira pela primeira vez pensara ser uma aparição posta ali pelas fadas do bosque para lhe tentar.
            À procura de terras para comprar ele passeava pela beira do rio e no momento em que seus olhos se encontraram, um forte rubor teve e  baixou os olhos.
            Ele aproximou-se e disse-lhe para não ter medo que não lhe faria nenhum mal.      Apresentou-se, conversaram, especulou sobre o que queria e ela após se certificar que realmente ele nada de mal lhe faria, levou-o até seu pai e a partir daí começaram as tratativas pelas terras.
            O forasteiro foi embora com a promessa de voltar nos dias seguintes.
            E os dias seguintes aconteceram.
            Sem saber nada de seu passado a ele entregou-se pela primeira vez na relva da beira do rio.
            Um desejo carnal alucinante tomou conta dos dois e sempre que se encontravam entregavam-se ao desejo. Ela não concebia a vida sem ele.
            Sem querer saber de sua história, movida pela paixão e amor, uniu-se a ele em casamento, pois ele havia adquirido as terras ao lado das de seu pai e ali o casal se estabeleceu.
            Da força do destino ninguém escapa e o destino também a encontrou.
            Dois anos de um amor intenso pensando ser para a eternidade, de repente esfriou.
            Sem saber o motivo, questionava a mudança.
            Como toda mulher seu sexto sentido a alertava sobre o que poderia estar dando errado. Possuíam uma bela casa, um local aprazível, um filho a acalentar, os negócios indo bem, sem problemas financeiros.
            Ninguém foge de seu destino e não há fortuna, por maior que seja, que apague o passado.
            E assim foi.
            Na beira do rio ela, com o filho no berço, afastou-se da festa de aniversário do patriarca para meditar. Sob a árvore onde havia amado seu homem pela primeira vez, sentiu um frio na espinha embora o dia estivesse ensolarado e o som da alegria da família se propagava até onde estava.
            Sem saber de onde, dois homens e uma mulher aproximaram-se dela e perguntaram pelo marido dizendo ser parentes dele vindos de outra cidade.
            Ingenuamente ela disse que ele estava na festa de seu pai.
            No ar, porém,  ela farejou que algo terrível aconteceria. Pegou o bebê logo após os forasteiros se afastarem e tomou um atalho até à  casa.
            Não conseguiu chegar a tempo,  pois perto da festa ouviu os gritos e tiros sendo disparados.
            Instintivamente largou o bebê na relva e correu até onde, em uma poça de sangue, jazia seu amado.
            Ninguém ousava mexer-se, aterrorizados que estavam com a violência.
            Ajoelhou-se perto dele, abraçou o corpo adorado e ele ainda com um fio de vida, olhou para ela dizendo “perdão querida, eles vieram cobrar o que eu devia; não faça nada”; e a luz apagou-se de seus olhos.
            Sem entender, entre soluços e gritos perguntando quem eram eles e porque havia feito aquilo, um dos homens respondeu: “viemos cobrar a desgraça que ele fez à nossa família; somos ciganos e ciganos não perdoam traição. Ele deflorou nossa irmã menor, depois a outra irmã e fugiu escondendo-se aqui. Agora, pagou o mal que fez e o mal paga-se com sangue. Como cigano ele sabia que mais cedo ou mais tarde o final seria este.”
            Dirigindo-se à família, convidados e a ela, disse “não tente nada contra nós, pois poderemos machucar seu filho e isto não queremos. Apesar de tudo seu bebê é também um cigano como nós”.
            Os homens guardaram as armas e só nesse momento, em meio às lágrimas ela notou a mulher, a bela mulher que com o rosto marcado também pela dor, contemplava o corpo do ex-amado estendido no chão.
            O tempo passou.
            Seu filho cresceu e desenvolveu-se. Ela mudou-se para a cidade com ele, mas manteve as terras e os negócios.
            Um dia o filho sabedor de suas raízes, foi procurar saber dos parentes de seu pai, visitando o acampamento sempre que possível. Não guardou rancor em seu coração perdoando a atitude que fora movida pela cultura e tradição de seu povo.
            Aproveitava suas viagens e ia à beira do rio ouvir o som que sentia desde sua infância.
            Ela, a mãe, nunca mais retornou ao bosque.
            Seus dias de felicidade haviam acabado.
            Agora, sozinha, na janela do 3º.andar ela chora  e as lágrimas da chuva,  misturam-se as suas lágrimas denunciando sua infinita tristeza.

            Maura Soares, aos 30 de julho de 2011, domingo, 08.25h

sexta-feira, 29 de julho de 2011


JARDIM DOS ESQUECIDOS

Perdido entre as folhagens,
o velho chapéu.
Ornado de flores, agora secas,
ele jaz fazendo companhia  a arbustos e
flores dos mais diversos matizes.
Sem sombra de dúvida,
Deve ter ornamentado  o rosto
e cabelos de uma bela jovem.
Ali ele está.
Imóvel.
Ficará à espera da moça ou alguém que o venha apanhá-lo
e cobrir-se do sol com ele.

Perto do chapéu, um livro de capa dura,
decorada em alto relevo.
Será o romance de um autor francês?
Será de Zola?
Quem sabe não foi também esquecido
pela dona do chapéu?

Começa a garoa do fim da tarde
e os dois esquecidos ali estão.
De repente uma lufada de vento move o chapéu
para perto do livro como que num desejo de protegê-lo
para não se molhar e estragar-se.
Mais uma soprada  de vento
e o chapéu cobre todo o livro.

A chuva começa fininha,
depois grossos pingos molham o chapéu
que sem se importar continua a proteger Zola.

Assim como começou,
a chuva amainou e o sol saiu detrás das nuvens.

Fim de tarde.

A iluminação começa a se processar.
Mais uma noite ao relento, pensaram os dois.

No jardim dos esquecidos, passos apressados.

É a moça que vem e leva Zola
e o chapéu a escorrer pingos de chuva.

MAURA SOARES, aos 29 de julho de 2011, 20.20h  

quinta-feira, 28 de julho de 2011

E agora, estreando no blog, a escritora Urda Alice Klueger, from Blumenau,SC, que nos encanta com pura poesia ao descrever suas impressões sobre a Praia do Campeche, sul da Ilha de Santa Catarina.

Foto Maura - Praia da Armação, na falta da foto do Campeche,
mas é na mesma região. Fico devendo.
                                  
Praia do Campeche – Anoitecer

(Para Ilze Zirbel – se não fosse por ela, não teria ido àquela praia naquela noite)

            Água daquela consistência e daquela cor eu nunca vira sequer no Caribe, e eu sempre digo que o Caribe é o lugar mais bonito do mundo no seu mar! Não sei se ali é sempre assim, ou se eu dera sorte de pegar um momento mágico em pleno andamento, ou se coisas acontecidas há mais de meio século ainda andam pairando por ali e criando aquele encantamento ...
            O que sei é que água daquela consistência e cor eu jamais vira, nem mesmo no Caribe, pois nem água era, mas um mar de líquido cristal de cor verde-azulada, manso, molengo e cintilante, a se desdobrar em mansas e pequenas ondas que viravam espuma branca com lentidão, e aquele verde-azulado do mar que era cristal contrastava com a luminescência do sol que já mergulhara por detrás da terra, mas deixara no céu aquela luminosidade de ouro que mais parecia coisa descrita em romance medieval – como, nos dias considerados de progresso, que são os dias de hoje, alguém pode se dar ‘a liberdade de dizer que o céu estava cor de ouro?
            O fato é que estava, assim naquela região por detrás das dunas, e era difícil decidir para onde olhar mais: para o cristal das ondas que se espraiavam em espuma ou para o dourado do céu do outro lado – e havia mais alternativas: lá adiante do meu caminhar o morro mais alto da Armação do Sul, numa cor também entre o verde e o azul, portava saborosa e fofa nuvem de glacê branco à guisa de chapéu – e havia a areia branca da praia, e os muitos surfistas parados, sem coragem de largar aquela beleza toda, pois onda mesmo não viria naquele dia, de jeito nenhum – e os cachorros enormes, mansos e como que cheios de ternura pelo mundo – e quase que ao alcance da mão, do lado do mar, como se fosse só um morro cheio de árvores, a Ilha que decerto fora muito sagrada para muita gente do passado – era o anoitecer de 29 de março na Praia do Campeche, Brasil, e a beleza era tamanha que a própria atmosfera era puro encanto, e eu própria virara um ser encantado que seguia pela praia com o dourado do céu à minha direita e os olhos pregados de fascínio naquela cor verde-azulada do mar de cristal líquido!
            Lentamente, aquela cor da água foi-se transformando de verde-azulada em azul-azulada, e como que o céu, e o morro da Armação, lá adiante, e a atmosfera, tudo foi ficando da mesma cor – e por detrás das dunas a cor de ouro diminuía, ficava apenas sugerida, pois já fazia muito que o sol estava a se afastar do dia, e o andar descalça dentro da água de cristal líquido que molhava a barra do meu vestido era como que flutuar numa irrealidade.
            Em algum momento, porém, tive que começar a voltar, pois a chegada da noite era iminente. E então o espanto, ao fazer a volta: bati de cara num céu todo róseo naquele lado, coisa de doido, de não se crer, portando imenso disco de prata no meio. O encantamento era tanto que fiquei meio perdida: seria a Lua? Seria, talvez, um Asteróide? Não seria coisa de duvidar, tendo em vista o tanto que Antoine de Saint-Exupéry freqüentara aquela praia na década de 1930. Titubeei, imersa naquele encantamento todo que me fazia como que flutuar na praia, tentando entender direito o que estava vendo. Se fosse um Asteróide, aquele lá seria um Príncipe?
            Mas seria aquele o Príncipe do Asteróide? No grande disco de prata, quem me olhava não era um menino de cabelos cor de trigal maduro, e nem era alguém que usava um comprido cachecol. Talvez não fosse um Asteróide, afinal. Seria a Lua, a minha própria Lua, a Lua deste meu Planeta? Só podia ser, mas como se fosse um Asteróide, lá na Lua também havia um Príncipe. Era encantado e muito cheio de prata, também, tanto que se confundia com o grande disco luminoso, mas era um Príncipe tão encantado quanto o do Asteróide. No meio daquele brilho todo que flutuava no róseo do céu, podia eu vislumbrar os seus olhos doces e cálidos, macios como avelãs que se comem em noite de Natal, e tão cheios de ternura pela Humanidade que até parecia impossível! Sim, aquele era o Príncipe da Lua, e tudo estava tão luminoso que custei um pouco a reconhecer os detalhes: o sorriso bom, o gorjeio de Passarinho na alma, a maciez da barba, a camisa de xadrezinho azul aberta no peito macio...
            Ai, a vida era boa demais! Lá naquele lugar encantado, quando menos esperava, o Príncipe da Lua estava ali tão próximo e tão lindo como estava todo o tempo dentro do meu coração!
            Não há outra coisa a se fazer com um Príncipe assim além de amá-lo!

            Blumenau, 03 de Abril de 2007.

            Urda Alice Klueger
            Escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
            Membro da Academia Catarinense de Letras e do Instituto Histórico e
            Geográfico de Santa Catarina

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Amar alguém fora dos padrões aceitos pela sociedade,requer muita paciência. É sobre a paciência este meu texto, de 2010.


[A AMANTE]
FALANDO EM PACIÊNCIA

A amante é aquela que recebe as sobras do amor.
Paciente, espera o dia em que seu homem tem tempo, um tempo roubado, pra lhe dar.
Paciente, ela perfuma a cama para dar ao amado todo o amor que ele porventura não tenha em casa.
Paciente ela organiza a casa, às vezes solitariamente, para deixar tudo em ordem e poder proporcionar ao amado horas agradáveis e que ele se sinta renovado quando partir.
Paciente, ela espera o beijo, o abraço, o sexo gostoso, os carinhos que acredita serem sinceros, só pra ela.
Paciente, ela escolhe as roupas mais bonitas de acordo com a ocasião para lhe agradar, sabendo que ele nem terá tempo de reparar.
Paciente, escolhe as músicas de que ele gosta e que serão tocadas na hora do amor.
Paciente, observa os dias que correm ao sabor da lembrança do último encontro.
Paciente, ela lê livros, ouve músicas, faz compras, paga seus compromissos; os dias correm ao sabor do vento, do frio, da chuva, sempre à espera do amado.
Paciente, acredita nas juras de amor, mesmo sabendo que jamais ficará com ele, pois amarras o prendem a outra e ela é também a outra em sua vida.
Paciente, ela escreve poesias enfocando seu amor fugidio, ansiando pelo dia da chegada e sofrendo pela hora da partida.
Paciente, ela vê chegada a hora e em muitos dias a hora não chega, pois compromissos impediram o amor naquele dia acontecer.
Paciente, ela aceita, pois seu amor é maior que tudo na vida.
Paciente, ela recorda as palavras do último telefonema, do último recado, do último som de sua voz.
Paciente, ela recebe as sobras e com elas faz o jantar; com elas organiza a casa;  com elas acarinha o amado; e com elas faz sua vida ter sentido.
Maura Soares, aos 05 de agosto de 2010

quinta-feira, 21 de julho de 2011

INFLUÊNCIAS DOS ASTROS


NO COMPASSO DO UNIVERSO

            No compasso binário do universo
            claro escuro
            preto branco
            dia noite
            sol chuva
            assim são os signos revelados pelo esoterismo.
            Ao mesmo tempo em que o nascido em determinado dia é regido por um  signo correspondente do zodíaco, ele apresenta alternâncias de comportamento, não porque ele queira, mas porque na hora de sua vinda para o planeta Terra, outros planetas estavam orbitando dando-lhe influências as mais diversas.
            Assim, um signo como o de capricórnio, para ficarmos no meu exemplo de nascimento, digamos, é tido como organizado, disciplinador, correto, também tem sua vida desordenada, pois nem tudo deve ficar perfeito.
            O único ser perfeito é Deus que criou esta maravilha de cenário que é o Universo onde planetas circulam em suas órbitas.
            Representado pela cabra Almatéia, o signo de capricórnio é mostrado com metade do corpo cabra, outra metade peixe.
            Por que assim as coisas se afiguram?
            Para mostrar a dualidade que habita em cada individuo.
            Dualidade no individuo...
            Duas coisas em um só ser indivisível.
            Nasce-se sozinho e sozinho se vai para a eternidade em busca de outra vinda, em direção a outro nascimento, outra esfera, outra dimensão para que as energias positivas acumuladas em determinada encarnação, sejam computadas e o “individuo” possa, assim, fazer parte da grande galeria de seres iluminados que habitará na casa do Senhor para todo o sempre, até que novas tarefas neste Planeta Terra lhe sejam exigidas para cumprir.
            Maura Soares, aos 17 de abril de 2010, 06.10h, manhã de sábado – inspiração  direto no computador.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Pessoas entram em nossas vidas e deixam marcas. Esta pessoa do poema, marcou-me profundamente.A ele, onde quer que esteja, o meu verso.



ONDE ANDARÁ?

Onde, por Deus, andará aquele que, um dia,
fez vibrar com todas as forças as cordas do meu coração?
Procuro seu rosto no Facebook, no Orkut,
em outros sites e não o encontro
Achei duas fotos antigas...
de formatura e de trabalho,integrando uma equipe...
Onde se encontra, não sei
Não sei mais onde mora,
não sei se ainda chora,
nem sei se lembra de mim
Onde andarão aqueles lábios
que tanto me beijaram
Onde estarão aqueles braços
que por um longo tempo me abraçaram
Em vão, procuro na lista telefônica, pela internet
Ninguém me fala dele
Não sei se está sozinho ou com outro alguém
Preciso encontrá-lo e pedir desculpas
Desculpas, pois foi involuntária a minha atitude
Desculpas porque forças ocultas nos separaram
Onde está aquela pele morena
que eu tanto gostava de acariciar
Onde está aquela voz
que tanto gostava de escutar
Tento fazer um poema para que, um dia,
eu possa pedir
Até com sofreguidão,
Perdão!
Perdão, amor, por termos nos separado
Perdão, amor, por termos sofrido,
ambos tão longe um do outro
Perdão, amor,perdão!  
Procuro-te pra te abraçar novamente
Pra te acariciar de novo,
mas não sei onde estás
Eu, no entanto,
Ainda estou aqui
Sou aquela menina que te amava
Sou aquela menina que chorava
Sou, ainda, aquela menina!
Maura Soares, aos 19 de julho de 2011, 22h

sábado, 16 de julho de 2011

Liberdade, ainda que tardia.


Foto de Maristela Giassi- Florianópolis,SC.

GRITO DE LIBERDADE

A garganta presa com o meu grito
Grito de liberdade,
liberdade para amar quem eu quiser
Gritar aos quatro ventos
que a vida não se resume às aparências
Gritar, livrar da prisão a voz sufocada
que deseja amar e ser amada
Arrancar os grilhões do passado
Ver a vida fluir,
embriagar-se de amor
E dizer, finalmente
o amor vale a pena
Gritar
e a voz ecoar nas planícies,
 nos lagos,
nos rios,
no mar,
 nas montanhas...
Gritar!
E quando, finalmente,
o grito estiver liberto,
quero ter alguém por perto
pra me encantar com seu amor.
Maura Soares , aos 16 de julho de 2011, 21.05h

Os meus amigos são meus tesouros.Apresento novamente a poetisa portuguesa Carmo Vasconcelos, com seu grito preso na garganta.


FOGO-PRESO
CARMO VASCONCELO​S
 
Tenho um poema atado na garganta,
Como uma espinha aguda atravessada,
Cingido ao fogo-preso que o não canta,
Hirta a língua, pla verve não largada.

E a mágoa que bebi, por não ser pouca,
Pela afronta, de fel envenenada,
Traz ressaca de gelo à minha boca,
Pela amarga revolta não gritada.

Porém, se ao rubro a mágoa se agiganta,
Deitada ao gelo, breve é desmanchada,
E porque lisa… a pena já não espanta.

 E liquefeito o mote, então sustido,
Corre a mágoa na verve deslaçada,
Vai-se a espinha, e o poema é engolido!  
***Lisboa/Portugal-Setº/13/2010
http://carmovasconcelosf.spaces.live.com
http://carmovasconcelos.spaces.live.com

Como prêmio aos amigos, um soneto do António (Tiago), "Rosas em verso".


ROSAS EM VERSO

Pena presa, nos dedos, firmemente,
Olhar, em ponto vago, concentrado,
Nas laudas do papel, à sua frente,
Um poema mal escrito, já esboçado.

Se o espírito adormece e fica ausente
Como, por mil duendes, embalado,
Por sonhos doutro mundo voa a mente,
Qual cavaleiro em seu corcel alado.

E se alguém se revolta, se ergue e clama,
Numa feroz censura, em voz que brama,
Na simplicidade dos seus afectos,

Só diz, abrindo a mão, erguendo o braço,
Como quem deita rosas no regaço:
- São meus versos, amigo, meus sonetos.

António José Barradas Barroso
Parede, Portugal
[In: “...antes que chegue o inverno”,pág.91]

sexta-feira, 15 de julho de 2011

"O livro caído n´alma, é germem que faz a palma,é chuva que faz o mar."


O LIVRO ESQUECIDO

Ali ele jazia,
esquecido num banco de jardim.
Capa primorosa,
conteúdo edificante,
mas sem ninguém para abri-lo
e saborear sua sabedoria.
Uma folha cai sobre ele denunciando
o outono que estava já em meio.
Pingos suaves de uma garoa
começaram a cair e o livro, triste,
sem poder mover-se,
recolheu-se e, em seu íntimo,
em meio a tantas palavras
de seu conteúdo,
pronunciou uma prece.
Instantes, que duraram uma eternidade,
e ele ali, imóvel.
De repente, um automóvel freia.
Um belo jovem desceu apressado
e o apanhou murmurando um agradecimento
por ele ainda estar onde o havia esquecido.
O livro,
essencial para sua tese de mestrado,
foi agasalhado sob o paletó
e acarinhado de volta ao coração
do estudante.
Maura Soares , aos 13 de junho de 2010 - 17.40h

Poema pela manhã, ao despertar.

Palavra "Amor" em caligrafia síria --encaminhada por Gabriel Mathias Soares, membro da Bibliaspa, SP.

EM PLENO DEZEMBRO

Em pleno dezembro
em que em outros tempos o calor abrasa
Chuva, vento, tormento balançando as casas
Água escorrendo, escorrendo pelas telhas
E eu a me encolher em ais de lamento

Aqueço-me nas cobertas
Pra fugir do desalento
Que tua falta faz em meus ditosos braços
Sinto falta de ti, dos teus abraços
Pra me aquecer na madrugada fria

E quando pela manhã
o sol dá o ar da graça
o vento ainda forte balança a cortina
e bate a vidraça
aguardo ainda teu calor
pra ajudar-me a aquecer o amor
e não cair em desgraça.
Ditoso amor, onde estavas
quando a chuva e o vento
com  fúria chegaram?
Deixaste-me só a sofrer a desventura
e o desejo louco de correr para os teus braços.

Aos 14/12/2009- 6.12h – horário de verão
[da minha obra inédita "Um amor para lembrar"]

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Em familia numerosa, alguém tinha que disciplinar. A quem cabia o cuidado, os mais velhos. No caso citado, eu.


DE CRIANÇAS E DE ORELHAS

            Em famílias numerosas sempre há aqueles filhos mais velhos destinados a tomar conta dos menores, enquanto a mãe está nas lidas domésticas.
            O pai, ora, o pai está trabalhando!
            E a mãe, bem, a mãe fica em casa, responde o menino ao ser perguntado pelo Mestre sobre o que os pais faziam.
            Esquecem e ou não observam o quanto há por fazer em uma casa, sobretudo em famílias pertencentes à classe B ou C, num tempo em que as bolsas-família não existiam.
            As mães ralavam mesmo!!! Costuravam pra fora, faziam doces e salgados pra gurisada vender de porta em porta...
            Pois bem, o fato que narro como diz o título, envolve crianças e orelhas.
            No tempo em que já com cerca de 10-12 anos, era eu designada para tomar conta dos guris mais novos.
            Diga-se de passagem, era uma tropinha composta por rapazes que não fogem à regra nas peraltices.
            Tinhosa, com cabelos nas ventas, exigia obediência, quando se tratava de disciplina.
            Ainda não perdi o tranco. Quem me conhece sabe – é uma das características do meu signo – disciplina e a exigência dela.
            Pois bem, hoje em dia rimos muito nas reuniões familiares, sobretudo quando há umas cervejinhas a mais, envolvidas.
            Conta a lenda – “o que dizem e eu não afirmo”, parodiando o Manoel de Menezes – que quando os rapazes não me obedeciam eu os trazia pela orelha e aí o clássico choro “ô, mãe, olha ela aqui, essa gata russa!”.
            A mãe, “não quero conversa, faz o que ela manda”.
            Diz a lenda, ainda, que eu os pendurava no varal para secarem após o banho, daí uns terem as orelhas grandes e de abano.
            Pura vingança!!! Não acreditem!
            Naquela época, nos tempos de antanho, quem não obedecessem pai e mãe, o “tira-teima”(habilidade manual do nosso pai, uma tábua toda enceradinha com o titulo citado) roncava no lombo da rapaziada.
            Oi, há alguém com algum trauma aqui? Hein?
            Viu? Ninguém responde, pois era o que rezava a época: no seio familiar, não havia violência gratuita e sim o corretivo na hora.
            Bem, voltemos às orelhas. O fato de elas serem grandes e muitas “de abano” é uma característica familiar. A genética prova. Ah, e o nariz, também.
            Mas deixa pra lá. É pura maldade recordar isto agora e me acusarem de deformadora de orelhas.
            O caso, senhoras e senhores, é que naquela época eu podia impor disciplina pelas orelhas, eles eram menores do que eu.
            Hoje em dia, cá estou eu com os meus 1.57m e eles, bem, eles de há muito ultrapassaram os 1.75, 1.80, 1.88m e por aí vai.
            Pode?
            Pois é.
            Mas não acreditem, não.
            É tudo intriga da oposição.
            Maura Soares, aos 27 de janeiro de 2011, 01.10h, madrugada, horário de verão.

Coisas de sociedade que, em muitas ocasiões, devem permanecer nelas. Abaixo, um conto meu de 2009.



A MULHER DO JUIZ

            Arquibaldo Nogueira dos Santos Ferreira e Silva, de ascendência portuguesa, Juiz de 1ª. Instância na cidade de Cambucari, São Paulo, era um homem temente a Deus, mas severo em suas sentenças.
            Dizia que roubar uma galinha ou um banco, o delito era o mesmo e a pena, guardadas as proporções, era imputada ao infrator. Tanto fazia ser filho de nobre ou pobre, não favorecia ninguém.
            Era homem temido e respeitado. Mais temido que respeitado, diga-se de passagem.
            O povo da pequena cidade falava à boca pequena, da vida particular do Juiz, embora em sociedade nada se transparecia.
            A família do Juiz tinha vindo para o Brasil com a família real portuguesa em 1808, quando D.João VI, fugido de sua terra para cá trouxe, além da corte que nada produzia, alguns melhoramentos visíveis até hoje na economia brasileira.
            Pois bem, Arquibaldo, já com seus 35 anos, ainda solteiro, com promissora carreira na magistratura, incomodava a família que o queria ver casado e continuador da linhagem dos Nogueira dos Santos Ferreira e Silva.
            Acontece que até os 35 anos, ao iniciar sua vida como Juiz, Arquibaldo não havia se interessado por rapariga nenhuma.
            A mãe, Maria Engracia, não se conformava, pois seus irmãos que haviam ficado em Portugal já eram avós e ela, nada.
            Certo dia, após o filho chegar em casa, após um dia exaustivo no Fórum, resolveu colocar o seu único rebento contra a parede, dando-lhe um ultimato para que escolhesse entre as mocinhas casadoiras, de boa família, claro, da cidade ou de Portugal, para casar e lhe dar os netos tão sonhados.
            Ambos foram para a ampla biblioteca da casa, lugar aconchegante e reservado, longe dos ouvidos curiosos da criadagem.
            Arquibaldo, de frente para a mãe, que o olhava severamente, baixou a cabeça e em voz sumida, pois além de amar sua genitora, tinha por ela o maior respeito, disse:
            -Não posso me casar, querida mãezinha.
            A frase foi como um murro no estômago da mãe.
            Ela levantou-se, fechou cortinas, janelas e trancou a porta e, em voz alterada, retrucou:
            -O quê? Como não podes te casar? Não tens dinheiro suficiente? Não tens posição na sociedade? O que há contigo? Estás doente? Ahn, me responde!
            Arquibaldo, com as faces pálidas, suando frio, balbuciou em voz quase inaudível:
            -Eu não aprecio mulheres, mãezinha.
            Esta afirmação, vinda de seu único filho, sangue do seu sangue, carne de sua carne, um magistrado respeitado, fez com que Maria Engrácia se sentasse(havia ficado de pé ao fechar as cortinas e parado ante uma prateleira abarrotada de livros jurídicos).
            Ela pegou seu lencinho perfumado, levou-o ao nariz e aspirou, numa vã tentativa de acalmar-se.
            Seu coração começou a palpitar. Fazendo um esforço sobre-humano, Maria Engrácia falou:
            -Quero que tu repitas isto para eu ter certeza de que não estou louca e que ouvi direito.
            Ainda de cabeça baixa, sem poder enfrentar o olhar da mãe, o austero juiz, aquele que não perdoava ninguém colocando na cadeia quem quer que fosse, juntou todas as forças e, ainda sem levantar a cabeça, repetiu:
            -Eu não aprecio mulheres, elas não me fazem palpitar, mãezinha, ao contrário dos delfins que ajudam no Fórum. Mãezinha, perdoe-me, mas eu sempre fui assim, a senhora é que nunca percebeu.
            Maria Engrácia levantou-se e como era do seu feitio enérgico, pois comandava uma casa com diversos cômodos e muitos empregados, postou-se atrás da cadeira do filho, colocou a mão no seu ombro, vaticinando:
            -Que este assunto não saia desta sala. Teu pai jamais saberá, mas tu vais casar e a partir de amanhã, começarei a providenciar um baile, uma festa, não sei, aqui em casa e tu vais escolher uma mulher para casar. E olha bem, com ela tu vais ter nem que seja um filho, seja homem ou mulher. Eu quero alguém para embalar na minha velhice.  Quanto ao teu gostar ou não gostar de mulher, não me interessa. Quando a criança estiver no meu colo, farás da tua vida o que quiseres. Podes te mudar para o Rio e ficar naquela cidade depravada ou ir embora para Paris, tanto faz. Não quero um filho maricas nesta casa. A partir de hoje, em vez de vir direto para casa após o Fórum, passa num café, toma uma cerveja, um vinho, sei lá, mas vê bem, em lugares onde tenham homens e mulheres. Tu vais te associar com todos. Ouviu bem?
            -Sim, balbuciou Arquibaldo, sem argumentos para retrucar as palavras proféticas da mãe.
            -Que o que te disse agora morra por aqui. Agora, vai tomar teu banho e vamos jantar que teu pai logo chega e eu depois vou começar os preparativos da festa.
            ...E assim aconteceu.
            O baile, a apresentação das moçoilas, a corte a uma delas e o casamento. Arquibaldo escolheu, das muitas que a mãe lhe apresentou, a filha de rico comerciante, de origem libanesa, mas perfeitamente integrada aos costumes cristãos da família. Agnes, cabelos negros, sedosos, olhar amendoado fez com que Arquibaldo se lembrasse de Emir, um jovem delfim do Fórum. E agradou-se da moça, de gestos recatados, sinceros olhares. A festa do casamento foi suntuosa para os padrões da época.
Arquibaldo cumpriu religiosamente o que a mãe havia dito.
            Pouco mais de um ano após o enlace, nasceu Arquibaldo Júnior, para alegria dos avós, principalmente para Maria Engrácia.
            Arquibaldo Júnior cresceu saudável, porém ao chegar no primeiro ano de idade, Maria Engrácia começou a notar que o menino gostava muito de flores e de brincar de casinha com a filha de uma das empregadas.
            A história meio que se espalhou, pois nas altas rodas e no seio da criadagem, não se falava em outra coisa. Em vão Maria Engrácia presenteava o menino com bolas, carrinhos, espingardas de pressão...inútil. Júnior gostava de brincar de  papai-mamãe e insistia em ser a mãe.
            Arquibaldo pai, resolveu, a pretexto de um curso na magistratura francesa, mudar-se para Paris. Há muito ansiava em visitar e até se estabelecer na cidade azul, berço da boemia.
            A mulher de Arquibaldo e o Júnior ficariam por enquanto na mansão dos pais em Cambucari. Logo, logo, viria buscá-los.
            Até aqui cabe-me revelar, pois não sou alcoviteira.
            O que se fala em sociedade, deve permanecer nela.
            As provas do que narrei, deixo-as para os juízes condenarem ou não.

            Maura Soares, aos 19 de agosto de 2009 – 10.55h