sábado, 30 de abril de 2011

Mais um poema de Emanuel ilustra este blog.

ENDEREÇO       
Emanuel  Medeiros Vieira
 Perdi (perdemos) o endereço de Deus.
Perdi (perdemos)?
Estará no bolso da calça, na segunda gaveta, no trapiche da Praia de Fora,
no   Parque da Redenção, na Praça Castro Alves, na esquina  da São João com
a   Ipiranga?
Perdi o endereço de Deus.
Estará escondido na clandestinidade, dormindo em quartos com cheiro de mofo – Neocid
para  as pulgas –, ou nos interrogatórios no DOPS?
Nas fugas apressadas?
Perdemos o endereço de Deus,
mas  temos todos os aparelhos  eletrônicos,
da  China, do Paraguai, do Estados Unidos.
E sempre quereremos mais, mais,
cerveja  gelada anunciada pela loira gostosa, o carrão com a estrela da TV,
o  último produto – ansiedade perpétua, e continuaremos ansiando:
 e quando  chegar a noite, desmoronaremos.

Mamãe no fogão de lenha – tainha frita.
Papai – terno preto, chapéu, relógio de algibeira – vai ao mercado.
Turíbulos, matracas, incenso, a catedral escura: é tempo da Paixão.
(Das paixões).
Alfredo David sorri e toca na barba, Pepe gargalha e também ri,
Giocondinha  e Luiz fazem um brinde,
Patrícia oferece um café,
José escreve um artigo – óculos fundo-de- garrafa.
Cassinha –  com aqueles olhos azuis – abre os braços,
 quer  todos na  mesa  para o lauto almoço,
Tio Luizinho beija mamãe.
E lembro  o poeta: ”Nós, que vamos morrer,exigimos um milagre”.
Vulneráveis, tão mortais, e o mar nos espera.
O tempo de Deus não é o nosso, diz Miriam,
Cida faz um rosbife, Adélia borda, Terezinha prepara um piquenique,
Dorinha  convida para  o churrasco domingueiro,
Lourdes me dá um dinheirinho para a o cinema de domingo,
Ondina reza, Gracinha vai para o  convento
(quero abraçar todos os meus irmãos homens),
ah, tantos domingos
Cine São José, Cine Rox, Cine  Ritz,
empadinha  com guaraná-caçula
na  Gruta de Fátima.

Perdemos o endereço de  Deus.
Peregrino para achá-lo:
estaria escondido em Brusque?
Vou atrás: pensões, viagens, portos, trens,
Paris, Berlim, Belém.
 Estaria Ele escondido na Igreja São Francisco,
em  Salvador?
No meio daquele Barroco, não consigo não chorar.
Ando, vejo o mar, o Pelourinho,
lembro de todos os pés que ali pisaram,
escravos gemendo,
Getúlio dá um tiro no coração, Jânio renuncia,
Jango enxuga o rosto,
Golpe Militar– foram 21 anos de minha vida.
Um arco- íris, uma gaivota, o “Miramar”,
Colégio Catarinense, um poema, Segunda Época em Matemática,
Padre Werner me confessa e me pacifica.
Onde encontrarei  o  endereço?
Deus, Deus, Deus!
Estará no paletó que deixei na lavanderia?
 E espero – como se estivesse no SUS de todos os aflitos,
num  INSS  onde os peritos sempre  indeferem  os pedidos.
E escasseia  o tempo,
Breve encontraremos  algo – sim, encontraremos algo.
Deus, Deus, Deus:
sorrio,  pois  posso Contemplá-lo na Clarice –  engatinhando pela casa,
no  Lucas– sorrindo no berço,
é maio   na Ilha,  outubro em Brasília – e começam as chuvas,
em Salvador  contemplo  a estátua do poeta Castro Alves,
e    sempre  – o mar.
Célia sorri para mim – amor.
A luz que emana dessa manhã,  seguirá comigo – para sempre.
“Há um caminho por onde passo/e outro que passa por mim/
/Um anda por meus passos/e não tem fim.//O outro é onde meus passos/
perderam-se de mim.”
(Salvador, abril de 2011)           

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