A MULHER E O PEREGRINO
EMANUEL MEDEIROS VIEIRA(*)
Apenas peregrino/pulsante,
“é vermelha, cor do sangue” – ela diz,
jogando a calcinha no tapete,
contemplo o matagal
sal da vida
úmido
pêlos encrespados,
teus
gemidos cortam a tarde, como um túnel,
meu
dedo em romaria no teu útero
cachorro
late ao longe, ronco de um caminhão,
o
tempo zomba de nós,
lambes – lúbrica – a língua,
viva!,
a Portuguesa, e esta que me arrepia agora.
Bússola
afetiva: decifro (?) o mapa do teu corpo
(vacina
de infância),
minha
sina, minha mina,
estupidamente
comovido,
cumpro
a jornada – esta vida.
Fatigado
e celebrante,
vivo
a vertigem – passageira.
Lembro
do poeta:
“Nós
que devemos morrer, exigimos um
Milagre”. (W. H. Auden)
Grito
“primal” pós-coito,
cheiros
que se contaminam – perfume paraguaio,
esperma,
suor,
ah,
vida, urina, outros odores.
Contemplo
tuas axilas raspadas,
teus
olhos tão negros que parecem um bisturi
afetivo
– eles tudo enxergam,
palavras
não ditas – fêmea que não se revela.
Sim: como
Rosa disse,
amar não é
verbo, mas luz lembrada.
Quem és tu?
Quem sou eu?
Quem somos nós?
Nunca saberemos.
Analfabetos das emoções: para sempre.
Uma sinfonia neste anoitecer,
quase sempre silenciosa.
Serenados estamos.
Mordes uma maçã, o livro entreaberto
entre as coxas, lês: “Se Deus morreu tudo é permitido.”
Corpos entrelaçados, estamos tão perto
Dele.
Dure, energia!, imploro.
Ajoelho-me e oro.
Lambo tua umidade, um gosto de sal
(mar da
infância), ris de olhos
fechados, longas pernas,
cabelo oxigenado,
tão sincera/tão simulacro,
és bela-bela,
amorável mulher,
Deus desaparece, depois reaparece,
saciados, molhados, mortais,
vulcânica posse, abro mais esta fenda,
puxo os teus cabelos, com rudeza e
doçura
(sim, sempre ambivalente),
um fio branco cai no meu peito,
passamos, envelhecemos, e vamos todos morrer.
Extenuado, indago com Freud: “Afinal,
o que querem as mulheres?”
Suplicante, gemes mais baixinho,
subalterna, ficas de quatro,
respondes: “O mesmo que os homens.”
Calcinha no ombro, cor de sangue,
lépida –
garça vespertina –,
vais ao banheiro, olhos fechados, tudo
é noite.
Já posso partir, e a memória do teu
corpo
me inunda.
E direi: “Vivi como um peregrino e, mais tarde,
um surpreendente e definitivo passo darei ao morrer.”
(Palavras escritas no mármore branco da minha
peregrinação.)(*) poeta catarinense, atualmente radicado na Bahia.
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