segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

CIGARRO DE PALHA(*)

Após a lida com o mar, João tinha o seu cantinho para tirar as pequenas lascas do fumo de corda para o seu cigarro de palha.
Não tinha banco para se sentar na pequena varanda, pois o espaço estava ocupado com uma cadeira de balanço, com acento de palhinha, que Maria havia ganhado no dia do seu casamento. Aquela cadeira era dela e nela Maria se embalava quando tinha crochê para fazer ou alguma costura.
Respeito é bonito e eu gosto, pensava João. A cadeira é dela, não vou me meter.
João arranjou uma telha que havia sobrado do telhado da casa, e ali cortava o fumo e preparava seu cigarrinho para pitar calmamente.
Chapéu de palha para o sol da tarde não atrapalhar a visão, João ficava concentrado, cortando os pedaços bem miúdos. Depois, pegava a palha que comprava no armazém e que vinha acondicionada em pacotinhos com papel celofane, abria um deles, colocava o fumo picado, enrolava com cuidado e paciência e depois acendia, tirando longas baforadas.
Tinha sempre um facão afiado que levava na cintura para as emergências no mar. Se alguma coisa que não fosse peixe se enrolasse na sua rede, o facão funcionava para libertar. Cuidava para que Tonho não mexesse, pois o moleque era travesso; estava sempre aprontando das suas.
Olhar perdido no horizonte, João inalava o fumo com calma. Como morava perto do mar, seu olhar  fixava-se na linha do horizonte.
Lá longe, em alto mar, um navio atravessava indo, de certo, para o porto de São Francisco do Sul ou Itajaí.
Pensou em sua vida, quando certa vez, teve vontade de ser marinheiro. Conhecer outros lugares, pessoas, diferentes culturas.
Mas, sem estudo, não pode, quando tinha idade, ingressar na Marinha, mesmo porque precisava ajudar os pais e irmãos na luta pela sobrevivência com a pesca.
Mas sonhar faz bem. E João, nesse momento, pitando seu cigarrinho, sonhava com outros mares, outras paisagens.
O cigarro já estava no fim, quase queimando seus dedos. Dedos já amarelados do fumo usado há muitos anos. Pensou nos cigarros que haviam na venda. Vinham em um pequeno pacote. João até experimentou um, mas tinha gosto de papel. O dele, não, feito no capricho com o fumo cortadinho, era bem melhor.
E assim, sonhando e pitando, João passou o seu momento de descanso.
(*) Maura Soares, in “Não intica co´a bucica – Crônicas do falar ilhéu”, livro artesanal, inédito. Aos 04/02/2007 – 20:05h – horário de verão




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