terça-feira, 1 de março de 2011

Aqui, o meu amado amigo Emanuel Medeiros Vieira, filho também da minha Ilha de Santa Catarina, aparece com seu Romaria, o seu desejo para o rito de passagem, para o local onde todos vamos, um dia.

ROMARIA (NO TERRITÓRIO DOS AFETOS)
(Carta para Lucas, Clarice, Célia, Maurício e Américo)
Uma missiva sentimental demais
Emanuel Medeiros Vieira

“Só uma palavra me devora: aquela que o meu coração não diz”
                    (Suely Costa)         
Não reparem: é romaria interior,
 fragmentada carta não postada,
 pobre  prosa poética,
tosco hino de amor,
sentimental demais,
ouvindo Elis Regina
(ela também nasceu em 1945)
e Renato Teixeira.

Peço que toquem “Romaria” no dia da minha partida – hora de descer aos sete palmos.
(Queria também outras duas músicas, mas não é de bom dar muito trabalho nessa hora.)
Se algo ficar na retina de vocês, será na riqueza de alguma recordação,
somos  criaturas da memória,
finitos continuamos sendo,
um dia, estaremos unidos numa coisa só: pó, estrume, rio, mar, fundidos nesse cosmos.

Nessa carta, eu queria informar –
quando  eu for embora, se quiserem me “ver”, indico três locais:
A servidão que leva à casa azul e branca da Lagoinha
(havia um pé de pitanga), na minha mítica Desterro (não a cidade desfigurada de hoje), a Ilha em que nasci.
O segundo local: o Parque da Cidade, ou na entrada da SQS 114, em Brasília – no pilotis do meu bloco, onde peguei o Lucas no colo,  ele só tinha poucos meses de vida, eu saía do hospital, mas a infecção ainda estava no meu corpo, vieram recidivas, mas isso agora não importa, a grama estava seca, comecei a chorar, e fui tomar um cafezinho com rosquinha  na padaria, pois havia “sobrevivido” contra a previsão dos médicos (haviam me dado só dois dias de vida), já  tendo recebido a unção dos enfermos por três vezes.
O tom parece piegas? É.
Me  perdoem.
Estava escutando também “Jesus Alegria dos Homens”, de Bach, e “Yesterday”.
São as três músicas que, afetivamente, mais me tocam nesse dia de hoje, no mês em que, se me for permitido, completarei 66 anos.
Hoje, no primeiro dia do mês de março de 2011, não consigo escrever de outra forma.
Há muito gestava o texto.
Já fizera vários rascunhos.
A morte? Passagem.
O tempo – que antes me atormentava – está mais serenado no meu coração.
Ele – segundo o meu saudoso amigo Caio Fernando Abreu –, é um orixá que não incorpora porque humano algum suportaria o seu peso.

Insisto (antes de dar os trâmites por findos), olhando bem, você me enxergarão “além de mim”.
O terceiro lugar no qual vocês me “verão”, será aqui em Salvador, na Praça Castro Alves, um local maravilhoso, onde amo contemplar a Baía-de-Todos-os Santos.
Se Ele Existir, foi um dos locais em que cheguei muito perto Dele.

E agora anoitece.

A raiz do meu amor por vocês é irrevogável –
vai  comigo à eternidade.

Nos três locais, vocês me verão, sim, me enxergarão além do esquecimento, além desta breve passagem, além de mim, além da vida, além do pó do que serei.
Sim, me verão – estrela, semente, ou bússola em busca de um oceano maior.
(E ensinem para os seus filhos: é nosso dever reconhecer o mérito de quem cumpre a vida.)
(Salvador, fevereiro de 2011)

Um comentário:

  1. À guisa de comentário,
    minha homenagem a um grande amigo.

    PARA O EMANUEL

    Querido amigo,
    poeta que tanto admiro.

    Quem de nós se acerca da Parada 65,
    e não se toca pelo teu canto...

    Tem muito daquilo que somos e vivemos,
    na estória da vida pelos seus encantos,
    e nos escaninhos do tempo
    com seu amargo acalanto.

    Minha casa fica na Parada 73
    da antiga Faixa de Taquara.
    É um lugar abençoado onde te quero ver,
    ainda no caminho dos 70...
    quiçá na virada dos 80,
    antes que a passagem se complete.

    Entra pela estrada de chão batido,
    quebra à esquerda e segue no corredor.
    À direita fica o Capão do Tigre,
    lembrança conservada do tempo
    onde corria, e espreitava o veado mateiro,
    o Leão Baio dos pampas.

    Encontrarás assim o refúgio,
    onde me calo e cultivo
    a ousadia de ainda viver.

    Talvez juntos possamos abrir
    o cruzeiro daquele querer
    que a nossa geração renunciou
    por não alcançar o saber.

    Teu canto fala do sentimento uiniversal,
    que procuro me acercar,
    no texto prosaico que te envio,
    de uma tese inacabada.

    RESIGNAÇÃO, FÉ e VIDA ESPIRITUAL,
    me fazem correr essa gira
    no mirador da estrada da serra.

    Não é, ainda, o topo do mundo,
    nem, com certeza, o fim do tempo.

    Apenas a obra incompleta
    e de imprevista conclusão,
    que a virtude perseguida
    aqui nos brinda em comunhão.

    Um grande abraço,
    do Eduardo Dutra Aydos
    Gravataí - RS

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